terça-feira, 24 de maio de 2011

O ASSASSINATO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Livro distribuído pelo MEC que tolera erros gramaticais como "os livro" e "nós pega" causa estragos no aprendizado de meio milhão de brasileiros e atrapalha o desenvolvimento do País

Amauri Segalla e Bruna Cavalcanti


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Imagine a seguinte cena: na sala de aula, o adolescente levanta o braço para perguntar à professora se ele pode falar “nós pega o peixe”. Ato contínuo, a mestre pede ao jovem para consultar o livro “Por uma Vida Melhor” e dar uma olhada na página 16. Sedento por conhecimento, o aluno acompanha com olhos curiosos enquanto a docente lê o trecho proposto. O garoto, enfim, sacia a dúvida: sim, ele pode falar “nós pega o peixe”. Está escrito ali, claro como a soma de dois mais dois em uma cartilha de matemática. Com nuances diferentes, a situação descrita acima provavelmente vai se repetir em milhares de escolas públicas de todo o País. Não é difícil calcular os efeitos nefastos no futuro dos 485 mil estudantes do ensino fundamental que devem receber a obra distribuída pelo Ministério da Educação por meio do Programa Nacional do Livro Didático. De autoria da professora Heloísa Campos e outros dois educadores, “Por uma Vida Melhor” defende a ideia de que erros gramaticais são aceitáveis na língua falada. Para Heloísa, frases como “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” (tal pérola aparece em destaque no material) não podem ser condenadas se forem expressas verbalmente. Mesmo que em uma sala de aula.
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MALTRATARAM A GRAMÁTICA:
na lógica do livro que tem o aval do MEC, a
frase “os menino pega o peixe” é aceitável


Autora desconhecida, sem grandes feitos na área da educação, Heloísa se viu no centro de uma polêmica que envolveu escritores, linguistas e professores. Por mais que alguma voz aqui e ali tenha defendido os argumentos de Heloísa, além dos eternos demagogos de plantão, a maioria esmagadora condenou seus métodos de ensino. Uma das mais importantes escritoras brasileiras, Nélida Piñon tem autoridade – como poucos, a propósito – para falar sobre a língua portuguesa. Eis seu veredicto: “O livro confirma a tese de que esteve sempre em curso no Brasil o projeto de manter uma legião de brasileiros como cidadãos de segunda classe”, diz a autora de “Vozes no Deserto”. Escritor que conseguiu a rara combinação de fazer sucesso junto ao público e, ao mesmo tempo, conquistar a crítica, Fernando Morais está indignado. “Esse livro é uma barbaridade”, diz o biógrafo do jornalista Assis Chateaubriand. “Trata-se de um desastre, o oposto do que é pregado por uma pessoa minimamente civilizada.” Linguista com décadas de serviços prestados à educação brasileira e ex-professor da Unifesp, Francisco da Silva Borba amplia a discussão. “O aluno tem que ser ensinado”, afirma. “Se ele tolerar infração às regras, então para que serve a escola?”


Sob diversos aspectos, “Por uma Vida Melhor” tem potencial para piorar a existência de meio milhão de brasileiros. Se realmente for levado a sério pelas escolas públicas, a obra vai condenar esses jovens a uma escuridão cultural sem precedente. Ao dificultar o aprendizado da norma correta, os professores da ignorância terão criado uma espécie de “apartheid linguístico”, para usar uma expressão do ex-ministro da Educação Cristovam Buarque. De um lado, os ricos e bem instruídos. De outro, os jovens reféns da falta de conhecimento gramatical. Se é evidente que o livro assassina a língua portuguesa, na medida em que diz que o aluno pode, na fala, escolher usar a concordância ou não, por que diabos ele teve o aval do MEC? Procurado, Fernando Haddad, o atual ministro da pasta, não quis se pronunciar (leia quadro). A autora Heloísa Campos pelo menos não se furtou ao dever de defender sua obra. “Falar ‘os livro’ do ponto de vista da linguagem popular não é um erro”, diz a professora. “A nossa abordagem é de acolher a fala que o aluno traz da sua comunidade. A cultura dele é tão válida quanto qualquer outra.”





Postado por Fernando Silva

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